Brandão Ferreira, um piloto aviador, também ele autor de algumas crónicas responde à entrevista do ministro das finanças ao jornal “Sol” no passado dia 23 de Março. Naturalmente, reconhecendo que nunca fez sentido apelar por uma doutrina salazarista, importa jamais esquecer alguns conceitos de Oliveira Salazar. Uma questão é assumirmos uma posição anti prepotência, claramente contra a violação de alguns direitos elementares dos cidadãos, outra será questionar todo o exercício de uma carreira política e, sobretudo, das opções de Salazar. Não há certamente nenhum político que tenha somente desempenhado uma magistratura negativa.
O texto de Brandão Ferreira que se publica não deixa de ser pertinente.
“O Dr. Victor Gaspar não tem sido lá grande coisa a explicar as linhas mestras da política financeira do governo, tirando a “austeridade” que, aliás, não precisa ser explicitada pois a gente sente-a…
E como fala a 33 rotações por minuto, as pessoas mudam de canal antes de ele conseguir chegar ao fim. Talvez por isso, tenha resolvido dar uma entrevista ao jornal “Sol”, no passado dia 23, em que disse isto: “Salazar optou por uma estratégia de fecho do País sobre si próprio. Durante décadas prescindiu da possibilidade de se financiar nos mercados financeiros internacionais. A nossa opção é diametralmente oposta”.
Bom, aqui o caso fia mais fino.
E não parece arriscado afirmar, que o Sr. Ministro não tem a mais pequena noção do que andou a dizer. Convém lembrar ao agora Ministro das Finanças, que a situação em 1928 tem pouco a ver com a actual. Lembramos alguns pontos cruciais: Nos finais da Monarquia Constitucional, Portugal era um País profundamente doente em termos políticos, sociais, económicos, financeiros; porém, os desatinos indiscritíveis da I República transformaram o corpo (e a alma) do doente, em moribundo. Em 1926, havia dois problemas que estavam à cabeça de todos os existentes: o problema da bancarrota e o problema da ordem pública (ou falta dela) – talvez o Sr. Ministro não tenha ideia, mas Lisboa assemelhava-se à Bagdad dos últimos anos.
A Ditadura Militar foi tratando da Ordem Pública (sem o que não se consegue fazer nada), mas foi incompetente para resolver o problema financeiro. E quando se tentou obter mais um empréstimo com o aval da Sociedade das Nações (uma “troika” da época), as condições eram de tal modo pesadas que foram tidas como atentatórias da dignidade nacional e recusadas. Não sei se esta coisa da “dignidade nacional” lhe diz alguma coisa, Senhor Ministro, aos seus colegas ou a quem vos antecedeu. V. Exª o dirá, senão por palavras, certamente por actos. Todavia, recusado o empréstimo, o problema financeiro mantinha-se e agravava-se. Por isso foram buscar, novamente, o tal professor de Coimbra. O filho do caseiro humilde do Vimieiro tinha fama de competente mas, também, de pessoa séria, que é um título que os homens públicos hodiernos têm dificuldade em ostentar.
É certo que Salazar colocou condições para aceitar o cargo e veio a impor uma “ditadura financeira”, que obteve um sucesso rápido e extraordinário, criando um "superavit" nas contas em menos de dois anos. No entanto, parece-me que a ditadura dele foi mais benigna e lúcida do que a sua, já que no primeiro caso, tendo sido estabelecido um orçamento para cada ministério, os respectivos ministros tinham alguma autonomia para o gerirem no seu âmbito. O que já não acontece com o actual inquilino das Finanças que se arroga o direito, por exemplo, de autorizar ou não, a contratação ou promoção de pessoas, caso a caso ou a conta-gotas! Será que o seu ego anda a fazer concorrência ao “petit” Sarkozy? Vejamos agora o estado do País quando o jovem Gaspar foi para a ribalta. A seguir à loucura do “PREC” dessincronizou-se todos os aspectos da vida em Portugal e os sucessivos governos foram-se aguentando graças à “pesada herança” em ouro e divisas (deixada por aquele que agora critica), e a duas intervenções do Fundo Monetário InternacionaI (1977 e 1983). Depois da nossa entrada na Comunidade Económica Europeia, em 1986 – de cabeça e de qualquer maneira – começaram a jorrar rios de dinheiro (aparentemente) fácil, das diferentes “ajudas” comunitárias, que foram utilizados com pouca parcimónia, muita aldrabice e nenhuma preocupação com o futuro. Puseram-se em marcha políticas e estratégias muito erradas e outras apenas erradas. Digamos que a única verdadeira mais - valia que se conseguiu foi a melhoria da qualidade do vinho que, por sinal, já era boa! (o que deve explicar o estado de bebedeira colectiva em que mergulhámos).
E fizemos tudo isto depois de termos renegado o Ultramar e toda a nossa História dos últimos cinco séculos (à excepção da proclamação da República), quando poderíamos ter sido uma “CEE” sozinhos, onde mandávamos tudo enquanto agora não mandamos … nada. Ou seja, o regime político pós 1974/5 e os órgãos do Estado que o serviram, nada conseguiram fazer com mais-valias por si geradas, apenas conseguiram fazer coisas com o dinheiro de outros e a mando de outros. E o recurso aos mercados, que o ministro das Finanças tanto gaba, apenas serviu para, agora, termos uma dívida … colossal! Belo saldo. Resta acrescentar que, sendo a dívida actual, muito superior à de 1926, o País não foi afectado por nenhuma guerra, nos últimos 37 anos e que, à excepção de greves, tem gozado de paz social.
Mesmo assim, os órgãos de soberania não encontraram melhor solução do que se rebaixarem a terem uns estranhos a tentar por ordem na nossa casa, segundo uma política que de nacional não tem nada. Os senhores não têm mesmo vergonha na cara, pois não? Não foi assim no final dos já longínquos anos 20. Portugal teve que atravessar o “crash” financeiro da Wall Street, de 1929, seguido da crise da libra (a que nós estávamos ligados), que se prolongou pelos anos 30; depois apanhámos em cheio com a Guerra Civil de Espanha, logo seguida pela II Grande Guerra. E sabe Sr. Ministro, o País não deixou de progredir, passou por tudo sem perder nada de seu, reganhou dignidade e o respeito das grandes potências e logo, a partir de 1935, conseguiu reunir os fundos suficientes – “mesmo estando fechado sobre si mesmo” – para investir na economia que nunca mais parou de se desenvolver até atingir um crescimento de 6,9% ao ano, em 1973 (no Ultramar era ainda superior). E tal foi conseguido apesar de só raramente se ter pedido dinheiro emprestado, que logo era pago a pronto e a horas.
Mesmo o Plano Marshall foi declinado, apenas se aproveitando alguma ajuda tardia a qual foi devolvida (apesar de ser a fundo perdido), em 1962, como bofetada ao governo americano depois da funesta política que a Administração Kennedy passou a ter para com o nosso País. Mas eu compreendo que o Sr. Ministro das Finanças não entenda nada destas coisas, pois ele formou-se em conceitos muito mais modernaços e práfrentex. Pois é, só que a política e opções seguidas que agora quer contrariar “diametralmente”, puseram Portugal a salvo de especulações dos mercados, garantiu uma das moedas mais fortes e respeitados do mundo e nunca deu azo a que o capital apátrida ou quem o movimenta, pudessem beliscar a soberania dos portugueses. O mesmo se poderá dizer do muito criticado “condicionalismo industrial” que, certamente não foi perfeito, mas harmonizava as necessidades com as capacidades e impedia as negociatas entre empórios e a promiscuidade entre empresários, financeiros e políticos.
Por isso, não há notícias de naquele tempo haver Parcerias Público-Privadas, contratos com Lusopontes, esquemas de "scuts", derrapagens e mais um sem número de poucas vergonhas que hoje nos sufocam e deminuem! Mas o que é que isto pode interessar aos “adiantados mentais” que nos governam? Eles andam muito à frente…Salazar mesmo “voltado para dentro” nunca teve portas fechadas e resolveu os problemas. Agora o Sr. ministro, e outros, voltam-se muito para fora e só levam com portas na cara. E quando conseguem algo é com juros leoninos e usurários…O Sr. Dr. Vítor Gaspar já sabe, por acaso, qual é o buraco financeiro do País? Tem alguma esperança – seja honesto – de poder vir a pagar, não direi a dívida, mas os juros da mesma, nos próximos 100 anos (mesmo acabando com os feriados todos e exterminando até, o último militar)? Tem alguma expectativa de quando vai ter um mínimo para investir na Economia, ou de quando pode dispensar a Troika? É claro que não sabe nem tem esperança de saber. A única coisa que se sabe é que vai a caminho de ter 10 milhões de desempregados e que o País vai parar e desintegrar-se aos bocadinhos. E se “alguém” nos emprestar dinheiro é para ficarmos escravos, modernos, mas escravos. Nessa altura o Senhor estará, possivelmente, a salvo com um bom emprego num dessas organizações internacionalistas sem rosto que andam a destruir os Estados-Nação. Finalmente, o mal-amado Salazar esteve 48 anos no poder (os actuais já vão em 35), mas sempre foi de uma integridade imaculada, deu o exemplo e não deixava que outros responsáveis pusessem o pé em ramo verde. Quando morreu viraram-lhe os bolsos do avesso e só descobriram cotão e meia dúzia de contos, que ele amealhara para os seus gastos pessoais. Os senhores, agora, são ávidos de tudo e não dão o exemplo de nada. Por isso, não conseguem por ordem seja no que for.
Um último alvitre: Salazar conseguiu colocar ao seu lado e ao lado das suas políticas a maior parte da Instituição Militar. Nas últimas décadas as Forças Armadas têm sido completamente alienadas pela classe política. Situação dificilmente reversível. Por isso, Dr. Gaspar, quando balbuciar o nome do Estadista Salazar, comece por se por em sentido, depois ajoelhe e a seguir faça um acto de contrição. E fale só do que saiba. Não se queira comportar como um rapazola. Um rapazola deslumbrado”.