Há mais de uma dezena de anos que escolho a Serra da Estela como destino para a minha primeira semana de férias.
Devidamente apetrechados de um farnel, todos os dias fazemos uma boa caminhada em busca de uma das muitas lagoas naturais que aqui existem. Tanto nestes passeios, como nas lagoas, para além de não termos telemóveis, raramente encontramos alguém, por essa razão conseguimos estar isolados de tudo o que se passa no mundo, mergulhados na natureza, a desfrutar unicamente os nossos momentos.
As noites passo-as em geral na varanda da "nossa" casa, a 1300 metros de altitude, a ler ou escrever, ou à conversa, ou, na maior parte das vezes, simplesmente, a ver a vista. É linda, monumental e tranquila, vai até ao ponto, em que bem lá ao fundo, na linha do horizonte, a escuridão do céu se cruza com a da terra, esta vista, ainda é enfeitada por milhares de pequenas luzes, as quais vistas daqui parecem que piscam harmoniosamente, lá em baixo, são as da Covilhã e do Fundão e, bem lá em cima, as das estrelas.
Aqui nesta varanda ainda tenho direito a musica, o vento quando quer sobrepõe-se a tudo e a todos, quer seja a através de uma forma suave, ao jeito de uma balada, quer seja de uma forma feroz, com fortes rajadas, ao jeito dessas bandas de rock pesado que para aí andam, mas quando permite, parece que estou a assistir a um festival da canção de primeiríssima qualidade, em que os grilos, a solo, trajados a rigor, com os seus fatos de cerimonia, parecem estar a competir para um qualquer prémio, onde as ovelhas, com os seus guizos, parecem as meninas do coro.
No alto da Serra da Estrela, com todo este ambiente, isolado de tudo o que se passa no mundo, consigo ter 24 horas por dia, a perspectiva da harmonia, da felicidade e da tranquilidade.
No entanto estas minhas férias tiveram que ser interrompidas por razões profissionais, assim passei três noites em casa, nas quais por azar liguei a televisão e onde fui imediatamente confrontado com o aumento da violência na guerra do Médio Oriente, com a onda de incêndios que está instalada um pouco por todo o país e na Galiza, com um documentário sobre os efeitos que ainda tem a guerra do Vietname na saúde pública desse país, com um filme a ilustrar os crimes ambientais que todos estamos a cometer e hoje estou aqui, outra vez na Serra da Estrela, na "minha" varanda, a olhar para a vista e a perguntar a mim próprio:
Que mundo é este?