As empresas público-privadas - habitualmente designadas por PPP -, entraram no nosso vocabulário quotidiano pelas piores razões. Constituíram-se para que o sector público, seja o governo central, sejam as administrações locais, pudesse construir equipamentos sem que houvesse disponibilidade financeira imediata para o fazer. Ou seja, em termos mais simplistas, a administração pública aceitou pagar rendas por períodos alargados a empresas privadas, para que estas suportassem os custos da edificação de diversos equipamentos. Para isso, tornou-as suas associadas e, em alguns casos, também lhes permitiu a gestão dessas mesmas infraestruturas por troca de arrendamentos mais expressivos, a maioria demasiado avultados.
Também encontramos este modelo empresarial em Odivelas, um concelho que acaba de fazer 16 anos de existência. Criou-se uma PPP, a Odivelas Viva, como solução ideal para construir uma escola básica com jardim-de-infância e um pavilhão multiusos cujo contrato da empreitada foi de quase 18,4 milhões de euros (18.368.245,64€). Para o erário público os custos destes equipamentos no final do contrato de 24 anos, ascenderão a mais de 93 milhões de euros.
Ora para encontrar o valor, bastou atender a alguns documentos da Câmara Municipal de Odivelas, como por exemplo respostas a requerimentos de autarcas e à cópia da escritura de constituição de direito de superfície, aberturas de crédito com hipoteca e constituição de penhores que data de 18 de setembro de 2009.
Atendemos então às contas para perceber quanto vão custar realmente a escola dos Apréstimos e o pavilhão Multiusos:
1. Entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2013 a Câmara Municipal de Odivelas liquidou à Odivelas Viva a quantia de 4.019.443,56 Euros;
2. Em Fevereiro deste ano (2014) devia 66.953.961,55 Euros. E sobre este montante acrescem juros ponderados até 2%, o que deverá significar no final de contrato um acréscimo de 1.339.079,20 Euros;
3. O empréstimo da CGD é de 22.592.000 Euros;
4. Ao empréstimo da CGD acresce uma taxa de juro de +/- 4,11% (taxa Euribor a 3 meses + spread de 3,25%, conforme se encontra determinado na escritura lavrada em 18 de setembro de 2009): qualquer coisa como um total de 928.531,20 Euros em final de contrato;
5. O custo de operação relativo ao empréstimo cobrado pela Caixa Geral de Depósitos foi de 50.000 Euros;
6. Ainda segundo a informação prestada pela Câmara Municipal de Odivelas, TOC, Técnico Oficial de Contas, custará pelo serviço prestado em 24 anos a quantia de 100.800 euros (somatório de 350 Euros mensais x 12 meses x 24 anos), enquanto para o ROC, Revisor Oficial de Contas, se terá de desembolsar 96.000 Euros (4.000 Euros x 24 anos).
7. Ora se somarmos os valores descritos obtemos um valor superior a 92 milhões de euros (92.060.371,95 Euros).
Mas a estes números ainda se juntam:
1. Mais 500.000 Euros emprestados pela Caixa Geral de Depósitos (a curto prazo), para apoio de tesouraria, com um spread de 2,875%, acrescido da Taxa Euribor a 3 meses o que resultará numa taxa de juro médio de 3,625%;
2. 160.000 Euros de juros de mora pagos no final de 2012;
3. Custos associados à utilização de Capitais Próprios superiores a 465.000 Euros, ocorridos a 31 de Dezembro de 2012 e que tiveram de ser repostos.
Assim, no final do contrato, em 2036, a assunção dos compromissos do município serão, pelo menos de 93, 1 milhões de euros para pagar duas construções que realmente foram contratadas por 18,3 milhões de euros, uma enorme diferença de valor, inflacionada na ordem dos 516%. Ou seja, a duas construções – a escola dos Apréstimos e o pavilhão multiuso – custaram 19,4% do montante total que se terá de pagar por este contrato.
Operação de leaseback
Mas o mais extraordinário é que, por via das Autoras de Penhores descrita na escritura, o incumprimento desta hipoteca penaliza apenas e só a Câmara Municipal de Odivelas, podendo a Caixa e os restantes accionistas da Odivelas Viva penhorar outro património municipal, objectivamente património público, para pagamento da divida.
Estamos perante o consumar de uma operação de leaseback. O município de Odivelas, utilizando a sociedade público-privada ‘Odivelas Viva’ - a pretexto da construção de uma escola do ensino básico e de um pavilhão multiusos -, consuma uma operação de leaseback, ou seja, sempre por via da público-privada, a quem cedeu direito de superfície de 2 terrenos, alienou património público por via de hipoteca à Caixa Geral de Depósitos, e recebe dinheiro por isso, 22,592 milhões de euros, e passa a pagar prestações durante 24 anos por contrato de arrendamento desse mesmo património. A Câmara Municipal troca um bem não fungível (que não se gasta) para passar a ter um bem fungível, que se desgasta.
De referir ainda que a Câmara Municipal de Odivelas só deverá ser responsável por 49% dos encargos com os empréstimos bancários por ser essa a sua percentagem acionista na Odivelas Viva. Em igual proporção, o município é responsável pela manutenção dos dois equipamentos já que na escritura essa é uma inteira responsabilidade da Odivelas Viva. – J.M.P.
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