3.5.10

Mais olhos que barriga

A competição é muitas vezes desleal, tão-só porque as armas ou os meios disponíveis não são os mesmos entre as partes. É assim em tudo. A dimensão e os recursos mandam quase sempre. Os mais pequenos têm de fazer das tripas coração ou escolher as especialidades onde esta realidade se esbata.
Portugal é um País periférico, pequeno e por isso deve procurar apostar naquilo que sabe fazer e consegui-lo com qualidade, naturalmente com outros preços, mais altos e concordantes com mercados mais exigentes e teoricamente mais ricos. Será assim em quase tudo: na agricultura, na pecuária, na indústria de transformação e nas que restam dos têxteis, calçado e naturalmente no turismo que terá de indicar o caminho daquilo que temos de bom. E temos algumas coisas importantes - o vinho, azeite, amêndoa, alfarroba, castanha, frutos silvestres, cortiça, indústria dos lacticínios e carnes tradicionais, dos licores como o de ginja, de amêndoa...
Mas não nos podemos enganar.
Correr atrás dos outros mais bem posicionados no continente europeu - numa espécie de birra de quem quer ter o que eles têm sem perceber que falamos de locais onde se cruza o comércio transcontinental, a maioria da indústria pesada, os maiores eventos sócio profissionais, culturais e tecnológicos e se têm de transportar milhões de pessoas - é um erro quase irreparável.
Precisamos de uma boa rede de transportes, particularmente o ferroviário porque ele é rápido, eficiente, seguro e energeticamente mais saudável e económico. Mas precisamos que ele transporte pessoas e mercadorias que diminua a elevada dependência do País dos transportes rodoviários e dos combustíveis líquidos. E como somos pequenos necessitamos apenas de um ritmo ao estilo do pendular que já cá temos, capaz de nos lançar na linha a médias entre os 200 e 240 quilómetros horários. Não necessitamos dos TGV's que são comboios manifestamente transcontinentais para grandes distâncias e que circulam habitualmente lotados... que são nem mais nem menos que alternativas às ligações aéreas regionais com mais de 500, 600 e 1000 quilómetros.
Os custos de um TGV como de qualquer outro investimento deste género devem ser medidos com os custos de operação e, neste caso, isso significa antever por exemplo, a utilização diária deste veículo, o valor de bilhete para que o torne competitivo relativamente à viagem de avião entre Madrid e Lisboa e vice-versa, o serviço prestado, etc. O TGV da fronteira para Lisboa também tem de ser medido com a nossa capacidade de internacionalizar cada vez mais a nossa Lisboa e arredores, organizando uma agenda de qualidade quase diária.
É dificil que, por si só, o TGV reabilite a nossa economia. Em primeira análise, a sua construção reabilitará durante 3 ou 4 anos a indústria da construção, particularmente das grandes empresas do sector que serão sempre elas a dominar este género de obras. Mas é certamente um custo demasiado elevado para o futuro das contas públicas.
Um boom repentino e com prazo acaba sempre por provocar uma recessão maior. Valerá meditar nisto. Já temos pouco tempo. Teremos de investir para abrir portas a empregos com maiores perspectivas de futuro. Teremos de investir em algo alternativo e produtivo que o subsidio de desemprego ou de reinserção social. Teremos de apostar na agricultura e pescas mais especializadas e de qualidade, na indústria de menor dimensão qualificada e também muito no espírito de cooperação entre experiências e gerações.
Oxalá o Primeiro Ministro saiba pensar o futuro e o investimento a médio longo prazo, não permitindo que fiquemos agarrados a obras com custos de manutenção incomportáveis que não servem a ninguém como por exemplo alguns dos estádios de futebol que se fizeram para o Euro 2004. Também não podemos correr o risco de fazer nascer mais empresas como a TAP ou a RTP que devoram centenas de milhões de euros anualmente sem melhoras à vista.
José Maria Pignatelli

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