22.5.11

Leis tão antigas e tão actuais

A respeito da Lei 2105, publicada em 1960 e que determinava a limitação dos salários dos gestores públicos, o professor catedrático Vasco Garcia escreveu um interessante artigo de opinião:
«Acabemos de vez com este desbragamento, este verdadeiro insulto à dignidade de quem trabalha para conseguir atingir a meta de pagar as contas no fim do mês.
Corria o ano de 1960 quando foi publicada no “Diário do Governo” de 6 de Junho a Lei 2105, com a assinatura de Américo Tomaz, Presidente da República e do Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar.
Conforme nos descreve Pedro Jorge de Castro no seu livro “Salazar e os milionários”, publicado pela Quetzal em 2009, essa lei destinou-se a disciplinar e moralizar as remunerações recebidas pelos gestores do Estado, fosse em que tipo de estabelecimentos fosse. Eram abrangidos os organismos estatais, as empresas concessionárias de serviços públicos onde o Estado tivesse participação accionista, ou ainda aquelas que usufruíssem de financiamentos públicos ou “que explorassem actividades em regime de exclusivo”. Não escapava nada onde houvesse, directa ou indirectamente, investimento do dinheiro dos contribuintes.
E que dizia, em resumo, a Lei 2105?
Que ninguém que ocupasse esses lugares de responsabilidade pública podia ganhar mais do que um Ministro.
A publicação desta lei altamente moralizadora ocorreu no Estado Novo de Salazar, vai, dentro de 2 meses, fazer 50 anos. Catorze anos depois desta lei “fascista”, em 13 de Setembro de 1974, o Governo de Vasco Gonçalves, recém-saído do 25 de Abril, pegou na Lei 2105 e, através do Decreto-lei 446/74, limitou os vencimentos dos gestores públicos e semi-públicos ao salário máximo de 1,5 vezes o vencimento de um Secretário de Estado.
Hoje, ao lermos esta legislação, dá a impressão que se mudou, não de país, mas de planeta, porque isto era no tempo do “fascismo” (Lei 2105) ou do “comunismo” (DEC. Lei 446/74).
Agora, é tudo muito melhor, sobretudo para os reis da fartazana que são os gestores do Estado dos nossos dias.
Não admira, porque mudando-se os tempos, mudam-se as vontades, e onde o sector do Estado pesava 17% do PIB no auge da guerra colonial, com todas as suas brutais despesas, pesa agora mais de 50%. E, como todos sabemos, é preciso gente muito competente e soberanamente bem paga para gerir os nossos dinheirinhos.
Tão bem paga é essa gente que o homem que preside aos destinos da TAP, Fernando Pinto, que é o campeão dos salários de empresas públicas em Portugal e que ganha um ”pouco” mais que Henrique Granadeiro, o presidente da PT. Aliás, estes dois são apenas o topo de uma imensa corte de gente que come e dorme à sombra do orçamento e do sacrifício dos contribuintes, onde vêm nomes sonantes da nossa praça, dignos representantes do despautério e da pouca-vergonha a que chegou a vida pública portuguesa.
Entretanto, para poupar uns 400 milhões nas deficitárias contas do Estado, o governo não hesita em cortar benefícios fiscais a pessoas que ganham por mês um centésimo, ou mesmo 200 e 300 vezes menos que os homens (porque, curiosamente, são todos homens…) da lista dourada que o “Sol” deu à luz há pouco tempo. Curioso é também comparar estes valores salariais com os que vemos pagar a personalidades mundiais como o Presidente e o Vice-presidente dos EUA, os Presidentes da França, da Rússia...
Acabemos de vez com este desbragamento, este verdadeiro insulto à dignidade de quem trabalha para conseguir atingir a meta de pagar as contas no fim do mês. Não é preciso muito, nem sequer é preciso ir tão longe como o DL 446 de Vasco Gonçalves, Silva Lopes e Rui Vilar; basta ressuscitar a velhinha, mas pelos vistos revolucionária Lei 2105, assinada há 50 anos por Oliveira Salazar».

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