15.11.11

O Pior não é estar triste.

Observar os rostos matinais na nossa azáfama de formigueiro é uma experiência curiosa. Fechados, ansiosos e apressados, aparentemente zangados com tudo (e das greves ao trânsito, da crise aos imprevistos há sempre tantos motivos para essa zanga, não é?), parece que trazemos um aviso escrito nas testas: “Proibido sorrir”! Contrastando com o cinzento dos rostos desarma-me o sorriso e boa disposição daquele distribuidor de jornais gratuitos (e não é o único), que faça sol ou faça chuva, numa esquina do Marquês de Pombal, entrega o jornal com um sorridente “tenha um muito bom dia”, e à sexta-feira gosta de dizer “tenha um muito bom fim-de-semana”. Não é de invejar o seu trabalho, e deve ganhar uma miséria, mas há uma nobreza e uma humanidade nas palavras e no sorriso que fazem a diferença.

Mais do que talento=dinheiro Jesus aponta-nos o talento da vida, a responsabilidade em desenvolver o que somos e temos. E aí parece que o medo é o grande obstáculo, o acomodamento e a preguiça são escolhas que levam ao “choro e ranger de dentes”. Já sabem que gosto das canções do Jorge Palma e do último disco estas letras são bem actuais: “ Vejo tanto olhar encafuado / em automóveis bestiais / Casos graves de bem estar, / por mais que tenham, nunca têm a mais./ Aleijados do conforto / refugiados na T.V. / O pior não é estar triste / o pior é não saber porquê”. A mais insignificante das tarefas pode ser feita com grandeza e o mais alto cargo pode ser desempenhado com tanta desumanidade. O que marca a diferença é sempre a qualidade interior de cada um, a verdade que coloca naquilo que faz, a coragem de não ceder ao “menor esforço”, a libertação da ânsia de ter, a ousadia de sorrir para rostos sisudos. Nenhuma crise é desculpa para desistir de viver. Não é possível desenterrar o “talento-vida” de cada um e arriscar investi-lo de maneiras mais felizes?

Há muitas formas de realizar um trabalho. E os primeiros beneficiários ou prejudicados somos nós. O livro dos Provérbios diz que a mulher “põe mãos ao trabalho alegremente”, e essa qualidade traz luz a tudo aquilo que faz. Bem conheceis a história dos trabalhadores da catedral em que apenas um experimentava, para além do suor e do salário, a alegria de estar a construir uma catedral. Quando o trabalho é apenas um meio de troca para receber “umas massas” a qualquer preço, ou a oportunidade para “encher os bolsos” à custa de negociatas e manigâncias, e não a colaboração na construção do mundo, a ramificação de energia e de vida que beneficia outros, ainda não merecemos o nome de pessoas. Se o “talento-vida eterna” nos foi entregue o que andamos a fazer dele? Que vitalidade e alegria, ousadia e simplicidade, esperança e criatividade enterrámos debaixo de rotinas e medos, intrigas e desconfianças? É sempre possível fazer a diferença!

P. Vítor Gonçalves.

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