De acordo com Jean-Claude Guillaume, a violência faz múltiplos aparecimentos e infiltra-se nas relações humanas. A sua evidência está em todo lado, o excesso, a profusão e a ruptura por todas as partes sociais e familiares e sob variadas formas.
Todavia, não podemos falar dos conceitos violência, ou agressividade, de forma estanque, exactamente pela ambiguidade dos mesmos. Ainda que existam dicotomias, e ainda que possa ser um paradoxo, os mesmos estão em simultâneo tão perto e tão distantes. Revelam-se por pequenos marcadores. Assemelham-se a uma teia (malha), existem pontos onde se interligam e daí a ambiguidade, e depois, existem buracos, espaços aparentemente vazios que permitem o aparecimento, o brilho dessas dicotomias que os distinguem.
A brutalidade natural primitiva, que Freud frequentemente utilizou, tinha por base a explicação da existência de uma violência fundamental, que era assente na ideia de defesa da vida, Eu ou Ele, e por isso, algumas vezes confundido com a ideia de instinto. No seguimento deste raciocínio, classificamos o instinto como um mecanismo biológico. Começa aqui, a amálgama de definições para a violência, propostas por outros psicanalistas.
De acordo com Bergeret, os psicanalistas detêm, do ponto de vista teórico, os elementos necessários que lhes permitem distinguir o simples instinto violento de sobrevivência, anteriormente referido, e por isso de autoconservação, da agressividade, sendo esta dotada de características mais coloridas, mais subtis, de tal forma que é confundida com a violência, mas distanciam-se, uma vez que na agressividade a violência é secundariamente erotizada.
Todos nós podemos ser muito mais violentos do que agressivos, na medida em que na defesa das nossas ideias, num ou noutro aspecto, não temos qualquer problema em atacar o outro quando este procura destruir os nossos feitos. De forma simples, podemos compreender que não pretendemos prejudicar o outro, mas sim defender o que é nosso, sem retirar prazer na nossa defesa, e sem querer mal ao outro.
Como referiu Freud os humanos, tal qual como os animais, deparam-se frequentemente com a necessidade de prejudicar o outro logo que este é percebido como uma ameaça. Todavia, ainda que esta violência possa conduzir à destruição do outro, e enquanto ficamos num registo de legitima defesa, não existe intenção de prazer no acto em si, nem de prejudicar o outro, na medida em que o outro nem tem representação no espaço relacional do sujeito.
Assim, para Freud, o termo violência corresponde à ideia de vida, de vital, de natural para todos os serves vivos. A violência aparece como ligada à mesma noção de vida. No entanto, a violência tem por vezes uma má reputação, por causa do facto de defender a sua vida, Freud mostra que o humano, assim como os animais, consideram necessário atingir o outro quando este é percebido como ameaçador, persecutório. Ainda que a violência possa levar aos actos destrutivos, apenas nos resta registar uma legitima defesa do sujeito, na violência não existe qualquer intenção nem de prazer de matar o outro, cuja identidade pouco importa de imediato.
Por isso mesmo, Bergeret distinguiu agressividade de violência. Como sabemos, e sem pretender ser repetitivo, é extremamente delicado estabelecermos um diagnóstico diferencial demonstrativo entre violência e agressividade por aquilo que nos chega da expressão de natureza comportamental, no entanto, o comportamento, a segunda forma de representação do conflito das instâncias mentais, abre o caminho aos factos reais, alguns deles dramáticos.
Assim, a agressividade visa um objecto significativo na constelação relacional do sujeito, é ambivalente, e por conseguinte conflituosa. Por sua vez, na violência, as características desse objecto são secundárias. O sujeito ataca apenas porque a sua existência e a do o outro são incompatíveis, mas sem ódio, e sem amor. Tipicamente, esta confrontação violenta ocorre entre dois narcisismos. Todavia, se tivermos em conta o aspecto quantitativo da violência, não podemos esquecer, nem excluir o facto de que a repetição de uma atitude, uma simples acção defensiva, por conseguinte violenta, quando se prolonga no tempo corre o sério risco de se tornar aprazível, pervertendo a evolução lógica da violência primitiva.
O marcador crucial para tal distinção consiste na intensidade emocional na ordem do qualitativo, na tonalidade emocional, na presença de uma erotização do sentido dessa acção.
Assim, e de forma a clarificar o conceito, a violência está intimamente relacionada com a má qualidade das relações interpessoais, nas quais, o sujeito procura sob determinadas formas coagir o outro, intimidá-lo, directa ou indirectamente, de forma a atingir os seus intentos. Na violência não existe relação interpessoal; todavia, sob o ponto de vista psicodinâmico, a mesma pode esconder aspectos muito importantes para que a mesma seja exercida.
Por outro lado, sempre se concebeu o ódio como uma atitude afectiva contrária ao amor, enquanto que a violência fundamental, inata ao ser humano, não envolve qualquer posição particular de ódio nem qualquer parcela de amor, se existe entramos no campo da agressividade. Estas duas componentes afectivas dizem sempre respeito a um objecto claramente identificado e ao qual são atribuídas, com maior ou menor objectividade, características de natureza relacional de modo a justificar essas reacções de ódio ou de amor vivenciadas pelo sujeito.
Assim, na agressividade o sujeito retira algum grau de satisfação dos sentimentos de ódio que direcciona contra o outro. Na violência, pelo contrário, não proporciona ao sujeito qualquer vantagem deste tipo, já que para ele se trata apenas de uma reacção de defesa desencadeada, reactiva, sem satisfação nem culpabilidade.
Helder Pereira Salvado
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