13.3.11

O Poder ficou à rasca

A Geração à Rasca era um grupo de bem-humorados, uma brincadeira, uns pretensiosos que se julgavam capazes de mobilizar milhares de cidadãos.

Continuamos a viver com a cabeça de baixo da areia. Muitos comentadores, políticos e intelectuais desta praça disseram que era impossível. No dia 12 de Março não ia acontecer nada de especial… À rasca não se encontram assim tantos e depois a manifestação estava esvaziada ideologicamente.

Certo é que no País desceram à rua 400 mil e só em Lisboa desfilaram 200 mil almas que obviamente não gritaram por nenhum partido ou coligação partidária, nem nenhum clube de futebol. Apenas e só manifestaram a sua condição de precariedade, lembraram as centenas de milhar de desprotegidos e idosos que ali não puderam estar, recordaram a pobreza franciscana em que o País se encontra e evocaram os ideais do 25 de Abril de 1974.


Afinal de contas, aconteceu capacidade mobilizadora, porventura a maior depois do lançamento da Aliança Democrática, e desta vez da autoria de cidadãos anónimos sem assento em lugares importantes, sem espaço nos média, muitos apenas com a esperança de conseguirem ter comida na mesa e o dinheiro para pagar a casa no final de cada mês. E estamos certos que a esta chamada faltaram muitos outros contra sua própria vontade – todas aquelas centenas de milhar que vivem abaixo do limiar da pobreza, os que enfermam da solidão e se alimentam da caridade e os que se encontravam a trabalhar no comércio e nas grandes superfícies das grandes empresas de distribuição que não param de dar lucros (a avaliar pelos resultados publicados na revista Forbs), e que auferem salários entre os 450 e 600 euros.

Ontem, a Geração à Rasca deixou completamente à rasca o poder e poderá ser a maior responsável pela antecipação de algumas decisões. Mas quer se goste ou não, a tarde de ontem mostrou que somos um País periférico frágil, a viver um regime autocrata escondido na democracia, com uma economia aberta desregulada e vulnerável, onde os maiores contribuintes são as classes que trabalham. Porventura mostrou que os portugueses não concordam com empresas públicas ruinosas, com partidos políticos a sobreviver por conta dos contribuintes, com a justiça que teima em servir os mais favorecidos porque são eles que a podem pagar, com um ensino focalizado em objectivos, contenção financeira e avaliações de professores desajustadas e complexas, com um Serviço Nacional de Saúde desorganizado… Com um País desestruturado, sem agricultura e indústria, fortemente dependente do exterior. A classe dirigente tem a oportunidade para perceber que urge prestar serviço público, defender os interesses da nossa comunidade e garantir o desenvolvimento social, económico e cultural rápido, de forma a conseguirmos recuperar o tempo perdido e fugir de uma falência anunciada num mundo demasiado global onde os mais ricos desistem de ajudar e optam por comprar. Também se deve meditar que vir à rua exigir a mudança do poder não é estritamente um fenómeno dos países muçulmanos, antes um problema dos países periféricos com grandes assimetrias a atravessar enormes crises conjunturais e estruturais. E que não se caia na tentação de nos compararmos com a Espanha onde as dificuldades são fundamentalmente conjunturais.


José Maria Pignatelli


1 comentário:

Maria Máxima Vaz disse...

Uma análise realista, com conhecimento, tocando nos pontos mais sensíveis da situação. Alguns comentadores da nossa praça já se pronunciaram e muitos não entenderam, embora falem como se declarassem dogmas, depreciando tudo e todos, com ares de quem sabe o que diz e não admite opiniões contrárias.
Gostei desta análise, e tenho a mesma opinião. Quem está atento ao que se passa à sua volta, não pode deixar de concordar.