11.12.10

A vergonha de fazer marketing a coberto da pobreza

Jamais esquecerei uma frase do Engº Carlos Alberto Malheiro, antigo presidente da Fiat Auto – “é uma enorme falta de bom gosto, de bom senso, mesmo uma vergonha utilizar a ajuda aos pobres como veículo publicitário
Também fiquei perplexo há uns dois anos atrás quando vi um futebolista português aceitar propagandear a doação de 5.000 euros a uma instituição poucos dias depois de ter adquirido uma automóvel de quase 200.000 euros!

Os mais desprotegidos – os pobres – são habitualmente mais lembrados pela comunidade particularmente em dois momentos do ano, no Natal e na Páscoa. Aumenta a solidariedade maioritariamente anónima dos portugueses que apesar de estarem cada vez menos endinheirados (segundo o barómetro europeu) encontram espaço nas algibeiras para dar a quem mais precisa.
Nesta matéria o Banco Alimentar é um dos melhores exemplos:
- Primeiro, porque ajuda durante todo o ano utilizando uma cadeia nacional de organizações e voluntariado devidamente qualificadas;
- Segundo, porque as suas campanhas não passam muito mais que notícias circunstancialistas nos noticiários, obviamente porque por trás não se encontram grandes investidores publicitários que a troco da aquisição de espaço fazem passar a mensagem das suas contribuições sociais por vezes de uma forma grotesca perfeitamente integradas em planos de marketing. As maiores cadeias de distribuição são exímias nesta matéria.
Estranha-se que publicitar ajuda humanitária nos conforte a quase todos, mais ainda quando ela é feita (imagine-se) com a contribuição financeira dos próprios clientes.
Em alguns casos, o mais extraordinário é propagandear que se dá com o dinheiro dos outros ainda por cima a cobro de meios de comunicação que acabam sempre por dar uma borlas de tempo de antena.
É uma enorme falta de bom gosto, mesmo uma vergonha e até ofensivo utilizar a ajuda aos pobres como veículo publicitário.
Mais, os mecanismos que concretizam algumas destas operações de ajuda humanitária não são esclarecedores da forma como são canalizadas e chegam aos destinatários. Também se desconhecem quem fiscaliza algumas destas operações.
Não basta aparecer nos ecrãs da televisão mostrar este ou aquele equipamento que se oferece a uma instituição como resultado da vontade expressa dos portugueses numa óptica de resultado de um inquérito produzido a escrito ou em resultado de registos de um qualquer call center.
Quem contribuiu tem o direito de saber a razão da opção do equipamento escolhido e a forma concursal que consubstanciou a sua aquisição, ou seja as suas características e o fundamento que levou à empresa fornecedora (...) Por exemplo, caso estas operações sejam auditadas (o que devia suceder sempre por uma questão de transparência) registar-se se a empresa fornecedora do (s) equipamento (s) contribuiu ou não para a causa, com uma maior percentagem de desconto no preço, participando também no esforço social publicitado.
Ainda no mesmo contexto, importa que o Estado procure um mecanismo que consiga garantir ao contribuinte que a percentagem legal - em sede de IRS que os cidadãos atribuem a instituições de solidariedade social - foi efectivamente entregue ao destinatário sob pena de vivermos convencidos de realidades que nunca sucederam... tanto mais que vivemos numa República que desconfiou sempre dos cidadãos e naturalmente facilita que o cidadão tenha o mesmo comportamento perante o Estado, até porque este se revela como um dos maiores incumpridores de determinadas obrigações contraídas a coberto da falta de responsabilização dos decisores.

José Maria Pignatelli

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