6.3.11

Todos à rasca

Já aqui escrevi a respeito dos novos pobres serem uma espécie de filão da classe média que os países mais desenvolvidos abriram brechas dentro das suas próprias estruturas sociais, económicas e culturais. Abriram as portas aos cidadãos de outros povos com culturas mais conservadoras e até elitistas com fortes convicções religiosas, mas acima de tudo muito influenciáveis, deram-lhes instrução, empregos e permitiram-lhes mesmo entrada directa nas elites científicas e profissionais.
Proporcionaram também o enriquecimento dos poderes instituídos em alguns países após as descolonizações, na Ásia, Ásia menor, em África e na América Latina, principalmente aqueles que possuem matérias-primas indispensáveis à vida moderna, como o ouro, petróleo, gás natural, platina, café, açúcar, cereais…Esse novo capitalismo entrou com milhões nos principais mercados financeiros e foi aproveitado (mais uma vez pelos próprios agentes dos mercados) para várias especulações.Somadas estas práticas às desigualdades que se acentuaram com a globalização sobretudo no sector industrial que valorizou imenso a mão-de-obra barata e sem grandes custos sociais, o resultado era previsível: Os países periféricos em vias de desenvolvimento correm riscos de asfixia, mesmo os produtores de combustíveis e produtos energéticos que tinham por obrigação de saber investir os biliões de dólares que as suas economias ganham em melhorias estruturais que proporcionassem bem-estar às populações.
Obviamente que esta realidade encerra dois cenários:
Por um lado, a necessidade das democracias ocidentais manterem relações diplomáticas e consequentemente comerciais com os regimes autocratas e assim terá de ser porque eles representam porventura mais de metade do nosso mundo e também da produção de combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural;
Por outro, fazer perceber aos líderes autocratas que urge distribuir a riqueza e cumprir com as mais elementares regras dos direitos individuais e colectivos das pessoas.
Particularmente esta última evidência evitaria vários constrangimentos globais que acabam por prejudicar meio mundo sobretudo no capítulo sócio económico afinal de contas muito aberto à especulação financeira.
Os poderes autocratas caiem na rua, às mãos de centenas de milhar, sem que se perceba a sua origem: primeiro, foi Ben Ali que reinou durante 23 anos na Tunísia; depois, no Egipto, caiu Hosni Mubarak ao fim de 18 dias de protestos.
Agora assiste-se à agonia na Líbia com os protestos contra o presidente Muammar Kadhafi que insiste no confronto com os manifestantes, colocando o país à beira de uma guerra civil e de uma catástrofe humanitária.
A comunidade internacional receia pelo contágio e deixa transparecer que não controla as movimentações. A preocupação tem efectivamente razão de ser: os países autocratas com influência muçulmana estendem-se do médio Oriente à Ásia Menor. Falamos do maior grupo de produtores de combustíveis.
Também se pergunta que pessoas e interesses se encontram na base destas convulsões. Impõe-se a capacidade de nos distanciarmos da forma romanceada que atribui estes movimentos populares às redes sociais cibernautas como o facebook. Demasiado simplista.
A internet é um veículo de comunicação por excelência, mas não chega a todos e nem consegue mobilizar milhões, tão-só porque dificilmente passaria um ideário político.
Os interessados podem ser vários independentemente dos riscos que os acontecimentos acarretam. Subsiste a dúvida sobre as alternativas aos poderes que caiem. De qualquer modo, estranha-se que sejam países como a China actualmente os mais dependentes das importações de combustíveis para manter os elevados índices de crescimento. Daí, talvez o irónico gesto contraditório em os chineses terem votado no Conselho de Segurança das Nações Unidas o protesto contra a violação dos direitos humanos na Líbia. Ora é caso para interrogarmos se de repente se passaram a respeitar os direitos humanos no país do Sol nascente (?).
Os líderes mundiais esquecem-se que as pessoas mais desprotegidas associadas os novos pobres - em grande percentagem oriundos de uma classe média instruída e culta que deixou de ter espaço de influência muito por força do desemprego - podem esgotar-se em soluções que não lhes levam o prato com comer à mesa, não protegem os seus filhos, nem lhes alumiam o fundo do túnel onde se viram enfiados quase sempre por causas alheias (...) e estas pessoas podem engrossam fileiras de contestatários de forma espontânea, mesmo sem precisar de qualquer liderança. Os acontecimentos no Magrebe também são preocupantes para os periféricos do Sul da Europa: Itália recebe centenas de refugiados e compra à Líbia 40% do crude que consome anualmente, enquanto a Albânia onde também já se registaram tumultos, os novos países dos Balcãs, Portugal, Grécia e Turquia podem ser surpreendidos pelas gerações à rasca que querem mostrar o direito à indignação gritando “basta”.
Sem qualquer sugestão prática - a divisão da riqueza ou aumentos dos investimentos em infra-estruturas são uma miragem - não percebo como se lutará de imediato contra a globalização destas crises que levam ao caos a própria actividade sócio económica, provocando grandes flutuações nos preços das matérias-primas nos principais mercados bolsistas.
Pior é que esta realidade tem o condão de prejudicar os países mais pobres sem grandes recursos naturais e alternativas em sectores determinantes como os energéticos e os alimentares. São mesmo nestes países onde os preços sobem em flecha e periodicamente, desajustando a inflação da realidade, também por força de serem economias demasiado abertas.

José Maria Pignatelli

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