30.1.11

Países periféricos à beira do colapso

Novos pobres são um filão da classe média
Os países mais desenvolvidos abriram brechas dentro das suas próprias estruturas sociais, económicas e culturais. Abriram as portas aos cidadãos de outros povos com culturas mais conservadoras e até elitistas com fortes convicções religiosas, mas acima de tudo muito influenciáveis, deram-lhes instrução, empregos e permitiram-lhes mesmo entrada directa nas elites científicas e profissionais, não se preocupando com a sempre discutível aculturação. Proporcionaram também o enriquecimento dos poderes instituídos em alguns países após as descolonizações, na Ásia menor, em África e na América Latina, principalmente aqueles que possuem matérias-primas indispensáveis à vida moderna, como o ouro, petróleo, gás natural, platina, café, açúcar, cereais, etc.
Esse novo capitalismo entrou com milhões nos principais mercados financeiros e foi aproveitado (mais uma vez pelos próprios agentes dos mercados) para especulações de vária ordem.
Somadas estas práticas às desigualdades que se acentuaram com a globalização sobretudo no sector industrial que valorizou imenso a mão-de-obra barata e sem grandes custos sociais, o resultado era previsível: Os países periféricos em vias de desenvolvimento correm riscos de asfixia, mesmo os produtores de combustíveis e produtos energéticos que tinham por obrigação de saber investir os biliões de dólares que as suas economias ganham em melhorias estruturais que proporcionassem bem-estar às populações.
As razões são simples:
- Territórios com grandes problemas estruturais que empurraram a população e o seu tecido produtivo para o litoral;
- Não conseguem produzir para consumo interno e as suas exportações não geram receitas para pagar as importações;
- Do ponto de vista político não conseguiram impor ou aceitar regimes verdadeiramente democráticos e não conseguiram promover reformas sociais educativas e na justiça;
- Fecham os olhos à economia paralela e à corrupção que lhe está adjacente;
- Não têm mecanismos que permitam controlo da despesa pública e desperdiçam demasiados recursos, mesmo os recursos humanos por falta clarividente de massa crítica nos sectores dirigentes;
- Preocupam-se demasiado em espalhar as suas doutrinas na senda política internacional e de apoiar verdadeiros programas de emigração, fechando os olhos inclusivamente à emigração clandestina como forma de ganharem influência dentro dos países mais desenvolvidos.
Esqueceram-se que as pessoas mais desprotegidas associadas os novos pobres em grande percentagem oriundos de uma classe média instruída e culta que deixou de ter espaço de influência muito por força do desemprego podem esgotar-se em soluções que não lhes levam o prato com comer à mesa, não protegem os seus filhos, nem lhes alumiam o fundo do túnel onde se viram enfiados quase sempre por causas alheias (...) e estas pessoas podem engrossar fileiras de contestatários de forma espontânea, mesmo sem precisar de qualquer liderança. Para já é o que se assiste nos países do Magrebe, Tunísia, Egipto e Argélia sendo que este último mostrou ao mundo ter uma classe dirigente mais esclarecida e preparada para controlar este contágio obviamente incómodo, mas mesmo que justo sempre perigoso para a estabilidade dos países do Mediterrâneo, particularmente para os periféricos do Sul da Europa, como Portugal, a Albânia onde também já se registaram tumultos na semana passada, os novos países dos Balcãs, Grécia e Turquia. Por enquanto Espanha e Itália ficam de fora porque são indiscutivelmente países estruturados com sectores primários e secundários fortes e tecnológicos muito virados à exportação. Países onde a investigação, o conhecimento e a tecnologia servem de base à modernização agrícola e industrial só depois se preocupando com os serviços... Um dos exemplos prende-se com a mobilidade – primeiro definem-se estratégias para as áreas metropolitanas e sistemas de transporte globais e depois produzem-se numa óptica de futuro com prazos alargados. Naturalmente que este tema encaixa outros como o planeamento urbano que encerra o seu crescimento e a própria arquitectura dos edifícios e meio envolvente como os espaços verdes, de lazer, infra-estruturas várias, parque escolar e equipamentos desportivos, estacionamento e acessibilidades aos maiores eixos viários e dos próprios transportes colectivos.
Espanha e Itália encontram-se muito mais integrados numa perspectiva europeia de racionalização de custos operacionais sobretudo no respeita à eficiência energética (cumprem planos energéticos definidos sobre todos os pontos de vista desde o consumo ao armazenamento), separação e reciclagem de lixos domésticos e industriais, protecção, utilização e consequente desgaste dos recursos naturais.
Por outro lado, este surto de indignação parece também surpreender os líderes mais radicais que apareciam invariavelmente por detrás das organizações destas manifestações. Ao que tudo indica entra-se na época da espontaneidade em que uma simples mensagem numa rede social informática se pode espalhar por centenas de milhar em meia dúzia de minutos... a velocidade da informação ultrapassa todas as estratégias das lideranças e apanham-nos completamente desprevenidos. Chega-se facilmente aos limites do caos gerador de actos colectivos ou mais isolados quase sempre irreflectidos que podem motivar danos irreversíveis na história e património de um País e mesmo da humanidade.
2011 promete ser um ano conturbado, mas terá forçosamente de ser tempo de reflexão e de regulação sobretudo dos mercados financeiros e da banca especuladora contra a ganância de alguns investidores e das empresas que encorajam monopólios ou a liberalização do comércio à escala planetária correndo o risco de esbater as diferenças da produção em grande série com a mais selectiva e exclusiva.
2011 terá de ser um ano de cogitação social de luta contra a pobreza e do voluntariado, mas onde haja a capacidade de exigir às classes dirigentes reformas no sentido de garantir os direitos básicos de qualquer ser humano e aos mais ricos a sua comparticipação activa mas ao mesmo tempo fiscalizadora para que depois não paguem os mais empenhados pelos menos cumpridores.
Mas também terá de se lutar já contra a globalização destas crises que levam ao caos a própria actividade sócio económica, provocando grandes flutuações nos preços das matérias-primas nos principais mercados bolsistas. É que esta realidade tem o condão de prejudicar os países mais pobres sem grandes recursos naturais e alternativas em sectores determinantes como os energéticos e os alimentares.

José Maria Pignatelli

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