4.9.11

Mais um pontapé no futebol português

Afinal de contas Ricardo Carvalho abandonou o estágio da selecção portuguesa de futebol, logo após um dos treinos. Nem sequer mudou de roupa: subiu ao quarto, fez a mala e meteu-se no carro. Só depois terá ligado a um dos dirigentes federativos a informar da sua decisão. Tudo isto foi confirmado pelo defesa-central do Real Madrid em entrevista ao canal de televisão RTP.

Agora, a Federação Portuguesa pode abrir um processo disciplinar e o pior é participar à União Europeia de Futebol, UEFA, de forma a colocar Ricardo Carvalho fora da Liga dos Campeões num máximo de três meses.


Mas que razões terão levado o jogador de 33 anos, que é conhecido pela sua educação, pacatez e solidariedade para com os colegas, a tomar uma atitude destas. É certo que o futebolista não terá medido as consequências, tanto mais que aceitou a convocatória… Mas daí a ter fugido como foi alvitrado pelo dirigente Amândio de Carvalho e um jornalista de um canal de televisão vai uma enorme distância: Ricardo Carvalho não se encontrava detido em nenhuma prisão. Também não faltou ao respeito a ninguém ao contrário do que se pretende fazer acreditar como convêm, sobretudo aos dirigentes federativos, muito fracos há décadas.


Este é mais um dos muitos casos que sistematicamente abalam a selecção do nosso futebol principal: é frequente assistirmos a conflitos entre todos os agentes que giram em torno da selecção, sem excepção, e com graus de gravidade diferentes.


Pergunta-se: de quem será a culpa? Naturalmente de quem dirige e chefia!


Não vou enunciar os casos à volta da representação do futebol português. Basta recordar apenas o que foi uma das páginas mais negras do desporto nacional. O que talvez tenha registado contornos distintos que envergonhou o País e ia dando cabo da vida de quem foi ‘apanhado na teia de aranha’ sem dar por isso: a participação de Portugal no ‘Mundial de 1986’, no México, que teve uma rebelião de jogadores com greve anunciada e terminou com uma derrota humilhante diante de Marrocos.


A mentira do doping em Veloso


Quem não se lembra do “caso Veloso” que, a meia dúzia de horas de partir para Saltillo, foi excluído por pertenço resultado positivo num controlo anti-doping com Primobolan. Então, aconteceu o primeiro milagre: essas escassas horas, de madrugada, permitiram acordar Fernando Bandeirinha, tratar de toda a documentação, arranjar a fatiota à medida e fazê-lo embarcar no Aeroporto de Lisboa, com a comitiva. Só depois se percebeu quanto importante era a presença daquele lateral direito no México: estava em causa a contratação pelo FC Porto o que sobrepunha à participação daquele que era já um dos melhores laterais do futebol mundial.


Felizmente, provou-se a inocência de Veloso, acabou por receber uma elevada indemnização e terminar a carreira de cabeça levantada. Por esclarecer ficaram os contornos sobre a pressuposta análise positiva, se foi de facto feita, quando e onde. Também nunca soubemos como foi possível em tempo recorde levar Fernando Bandeirinha na bagagem, poucas horas depois de ser acordado em Coimbra.


Mas esta participação no ‘Mundial do México’ começou mal ainda no estágio em Portugal quando os jogadores promoveram uma rebelião aparentemente por indefinição sobre os honorários e prémios que os jogadores iriam receber. Depois, foram as peripécias do dia-a-dia em Saltillo, onde a equipa portuguesa ficou alojada e que ainda muitas delas se encontram por esclarecer. Curiosamente nunca ouvimos o Sr. Amândio de Carvalho, actual vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol e um dos responsáveis pela comitiva em Saltillo, fazer qualquer comentário mais profundo e sério sobre esses factos, nem pedir um processo disciplinar com tanta veemência como agora fez relativamente as Ricardo Carvalho. Também nunca o fez em anteriores casos: quando João Pinto agrediu o árbitro argentino Ângel Sanchez no ‘Mundial de 2002’ ou mesmo quando o seleccionador Scolari agrediu a murro o lateral sérvio Dragutinovic, no final de um jogo entre Portugal e a Sérvia que acabou empatado.


A fraqueza de Amândio de Carvalho

Mas que dirá Amândio de Carvalho do seleccionador Paulo Bento que chamou desertor a Ricardo Carvalho. Ficará bem ao treinador utilizar esta expressão? Ficou bem a Paulo Bento, horas antes do jogo com Chipre, falar sobretudo deste caso sem dar qualquer explicação? Será o defesa do Real Madrid tão importante assim? Ou estará o técnico a revelar o seu lado conflituoso e mal-educado, que lhe conhecemos enquanto jogador? O treinador Paulo Bento devia ser mais humilde, tanto mais que não se lhe conhece nenhum sucesso na profissão e nem sequer ainda se qualificou para o Europeu 2012’, apesar das fragilidades do grupo e do nosso claro favoritismo.


Ricardo Carvalho deverá ficar acima disto: ele é protagonista num dos três melhores clubes do futebol mundial e que ainda é o que mais palmarés tem entre todos. Também é treinado, há anos, pelo melhor técnico da actualidade, o português José Mourinho. E isto é muito mais importante que a participação em qualquer selecção, por muito amor que se tenha ao País e paixão em envergar a camisola da equipa nacional, porque a este nível, infelizmente, são mais as crises e os escândalos que as glórias. Ainda não se conhece o desfecho do “Caso Artur Jorge”, já temos um outro. Uma vergonha! Mude-se quem manda!


José Maria Pignatelli

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